Eis o que diz o dicionário sobre o carnaval: [Palavra
oriunda do italiano carnevale.] 1. No mundo cristão medieval, período de festas
profanas que se iniciava, geralmente, no dia de Reis (Epifania) e se estendia
até a quarta-feira de cinzas, dia em que começavam os jejuns quaresmais.
Consistia em festejos populares e em manifestações sincréticas oriundas de
ritos e costumes pagãos como as festas dionisíacas, as saturnais, as lupercais,
e se caracterizava pela alegria desabrida,(encolerizada) pela eliminação da
repressão e da censura, pela liberdade de atitudes críticas e eróticas.] 2. Os
três dias imediatamente anteriores à quarta-feira de cinzas, dedicados a
diferentes sortes de diversões, folias e folguedos populares, com disfarces e
máscaras; tríduo de momo. 3. Bras. Pop. Confusão, trapalhada, desordem.
Desde a origem, o carnaval é uma festa de desregramentos,
excessos e irresponsabilidades. E nada mudou até os nossos dias. Por mais que
se defenda que o povo precisa de alguns dias de circo para compensar o estresse
do resto do ano, esse tipo de divertimento não tem causado o prazer que
deveria. Não satisfeitos com os três dias de carnaval, temos hoje as prévias
que se realizam fora de época: o Carnatal, o Recifolia, a Micaroa e por ai vai.
Tudo do mesmo jeito, padronizado pelos trios elétricos de patente baiana, só
servem para infernizar e tumultuar a vida das pessoas.
Na maioria das cidades do nordeste, o carnaval nunca dura
menos do que uma semana. E mesmo depois que termina, quarta-feira de manhã, a
maioria só vai trabalhar na segunda-feira seguinte. E dizem que é a região
pobre do país. Imaginem se não fosse. Qual é o resultado dessa ilusória
diversão e desse efêmero prazer? Todos conhecem. Assaltos nas ruas e
arrombamento de casas; pessoas bebendo e usando droga desbragadamente e com
isso matando-se por discussões ou em acidentes, dada à imperícia dos motoristas
alcoolizados; jovens imaturos praticando sexo irresponsável, contraindo doenças
ou gravidez indesejável; os pobres que vivem a reclamar dos salários, para
nivelar-se aos que têm mais, comprando abadás, fantasias de blocos que custam
100, 150, 200 reais. Um pedaço de pano pintado com o distintivo da escola
servindo como blusa e uma mini-saia ou short para completar a indumentária, por
preço igual ou maior que uma cesta básica.
Logo depois, a maioria das pessoas se arrepende do dinheiro
que gastou, das seqüelas que a festa deixou, das dívidas que contraiu para divertir-se
nos caros bailes dos aparatosos salões. A irracionalidade toma conta das
pessoas nos dias de carnaval. A histeria coletiva é manipulada pela mídia que
faz a cabeça dos desavisados. Mas o arrependimento vai se diluindo durante o
ano e no carnaval seguinte, fazem tudo igual, mais uma vez. Fico imaginando se
aquela quantidade de mulheres das escolas de samba resolvessem costurar para os
pobres ao invés de confeccionar fantasias e se os artesãos se dispusessem a
fabricar berços e brinquedos para crianças, as habilidades seriam bem melhor
aproveitadas. O rodar e rodar, como índios enlouquecidos ao som dos atabaques,
demonstra ignorância ainda maior do que a dos peles-vermelhas. E tudo gera uma
competição entre as tribos, fazendo com que elas se peguem a tapa porque
qualquer uma que vença sempre terá sido favorecida. A perdedora sempre se julga
melhor do que aquela que ganhou.
Houve tempos em que a igreja romana era contra o carnaval,
embora conivente, porque anistiava o pecado com a distribuição das cinzas. Mais
ou menos o que faz com a confissão. Pode pecar à vontade desde que depois faça
a penitência rezando pais nossos e aves marias. Mas agora mudou. Há sacerdotes
cantores carnavalescos com a aquiescência dos superiores. Veja-se os padres
pula pulas. E outros estão aderindo. Este ano, em João Pessoa, saiu um bloco
católico em nome de Jesus e de Maria. Ano passado, um segmento evangélico levou
para a avenida o seu Jesus é bom à Bessa (com dois "s" porque a
igreja é do bairro do Bessa). Um enorme trio-elétrico, um dos mais barulhentos
da festa, com os fiéis uniformizados. E cada um, portando uma garrafa de
Bacardi limão, saudava Jesus.
Ainda há quem pergunte, ingenuamente, se o Apocalipse vai
chegar. Ele já chegou há décadas. E o carnaval é uma das bestas que ajudam a
pôr mais lenha na fogueira que está incendiando o mundo. Há quem alegue ser o
carnaval, ao lado do futebol, uma válvula de escape para disfarçar as
frustrações do pobre. O Brasil explodiria se não houvesse o carnaval para
extravasar a mágoa do povo. Triste engano. O grande remédio para todos os males
chama-se alegria. Infelizmente no carnaval o que existe é alienação mental e as
pessoas não medem as conseqüências de seus atos. Isto é o que faz mal. Droga e
sexo são fundamentais.
Recentemente fizemos uma trova para um concurso com o tema
carnaval. Dissemos: Se brincar no carnaval/saiba dosar sua alegria/pra não
rasgar a moral/no embalo da fantasia. Porque é o que mais acontece. Qual a
finalidade de se apresentar mulheres com seios à mostra e um minúsculo
tapa-sexo? O mundo gira em volta da sensualidade exagerada. A mulher vem sendo
manipulada por uma mídia obscena que, como competente comerciante, sabe o preço
de cada uma. E pela glória de aparecer nua numa revista não medem o que estão
fazendo.
O sábio apóstolo Paulo de Tarso já dizia:- Tudo me é lícito,
mas nem tudo me convém. Não se trata de puritanismo piegas, mas de racionalidade.
O carnaval só dá lucro para quem organiza, promove, vende produtos, para quem
tem os trios-elétricos e para os políticos que levam o seu quinhão generoso.
Quando esses não tiverem bons lucros, o carnaval se acaba. Até lá, porém, o
inferno continuará fervilhando e salve-se quem puder.
| Autor: Octávio
Caúmo Serrano |